Política, futebol e religião não se discute. #Por que não?
- Revista SOUL Digital
- 25 de jul. de 2021
- 4 min de leitura
Costuma haver certa dificuldade, ou confusão, com alguns conceitos do dia a dia. ‘Conversar’, ‘discutir’ e ‘brigar’ são exemplos típicos. Muita gente não sabe graduá-los.
Popularmente, ‘conversar’ é entendido como algo amigável. Já ‘discutir’, muitos querem que seja algo ligado a briga, a atrito. Em muitos casos é assim. Mas noutros tantos não é. Pessoas verdadeiramente educadas e equilibradas – coisa meio difícil nesta atualidade polarizada da ‘lacração’-, não produzem agressividades, pelo menos em razão de uma trivial conversa ou diferença de pontos de vista. Dá gosto encontrar um ser assim, sereno e equilibrado. Intelectualizado então, nem se fale, é papo para toda uma tarde de sábado, regada a charuto e uísque.
Pessoas podem discutir horas um assunto e jamais brigar ou serem agressivas. E isto não quer dizer que sejam ‘escapistas’, outra particularidade da personalidade humana. Ser ou não agressivo, percebe-se, então, não está ligado ao modo de relação ou à temática envolvida, mas à personalidade de cada um. Há pessoas agressivas que, a um primeiro sinal de discordância, começam a se exasperar, falar mais alto e fechar o tempo. Há também aquelas que se controlam – ou disfarçam - e não reagem à primeira discordância, mas à quarta ou à quinta. No fundo, não há muita diferença, é alguém potencialmente belicoso ou autoritário.
O segredo pode estar em se perceber se uma pessoa, no dia a dia, costuma dar mostras de agressividade social ou familiar. Como se fala popularmente, se ela ‘explode’, se tem pavio curto.
Paralelamente, é interessante saber que existem – e existem mesmo- pessoas que simplesmente não explodem. Nunca. Não se permitem, e isto é consciente.
Mas, atualmente, vive-se uma época de tabu familiar e nas amizades. Parentes e amigos têm decidido não conversar de política uns com outros, apenas porque percebem desafinidades. Pelo lado dos agressivos, dir-se-á que o ser mimado costuma não aguentar ser contrariado, afinal, para ele, as informações recebidas em vídeos de Youtube ou mensagens reenviadas de Whatzapp são pura ‘ciência’, provam, certificam, lacram e ponto final. Como se contestar uma tola crença assim? Simplesmente impossível.
Costuma-se justificar esta fuga da não conversa de certos assuntos pelo receio de dar briga. É claro que isto efetivamente não poderá ser considerado uma vitória da intelectualidade ou da sabedoria, mas um desastre do escapismo, e da consciência de certo destempero das pessoas. De toda sorte, percebe-se que a ‘culpa’ não será do assunto em si, mas das próprias pessoas, pois, assuntos não brigam, quem briga são as criaturas, as usuárias dos assuntos.
Vê-se que neste momento atual faltam equilíbrio, sensatez, humildade e espera, sim, espera para ouvir o outro. Também faltam ponderação e reflexão aguçada, calma sobre observações divergentes. Em tempos de YouTube, com cada-um-tem-o-seu-próprio-canal-de-TV, nas redes sociais, todos resolveram que podem opinar sobre tudo, filosofia política, direito, imunologia, tudo. Vive-se uma época no Brasil dos ‘sábios’.
Os três conceitos temáticos do título, política, futebol e religião, costumam dar problema porque muitas pessoas têm posições e visões de mundo cimentadas e não admitem, jamais, ser contrariadas.
Buscam apenas a vitória em qualquer conversa. Derrotar o outro é o que importa. Num caso brasileiro mediano, se é que se pode utilizar tal medida, não chegam estes guerreiros das ideias a ser, jamais, teóricos de Arthur Schopenhauer, na obra A Arte de Ter Razão, em que o filósofo polonês ensina 38 estratagemas para se vencer uma conversa, mesmo sem ter razão. Também, nesta obra, o pensador ensina uma máxima da prudência sedutora, que leva pessoas inteligentes a interromperem qualquer conversa: ‘Não se discute com quem nega princípios’, um suave ensinamento que beira a poesia.
Mas o que seria negar princípios? Há exemplos fáceis. Não se conversa validamente qualquer hipótese histórica, por exemplo, a partir de que se queira inverter a cronologia dos fatos, suas datas. O mesmo na física, não se pode negar a gravidade; na biologia, a evolução; no direito com os princípios da liberdade, democracia e dignidade da pessoa humana.
Um segundo fator importante que todos deveriam convencionar em suas vidas, é estipular, de antemão, que qualquer conversa jamais poderá produzir um desentendimento, um desequilíbrio social, uma briga, um rompimento. Se dois interlocutores entram num debate assim, com esse grau diplomático e sábio de educação, não haverá brigas.
O Iluminismo organizou muita coisa, e uma que sofreu um tipo de entendimento próprio das democracias foi precisamente não existir uma suposta reserva de mercado para cientistas, intelectuais, pensadores, filósofos e outros ordinariamente detentores de conhecimento. Nas democracias, qualquer um que resolva amealhar conhecimento, ao longo da vida, tem todas as portas abertas para isso. Mas terá que fazer a opção inequívoca pelo estudo. ‘Apenas’ isso. Não bastam quantidade de ‘seguidores’ (...), um carro bonito, uma fala chique, um site.
Na sociedade que todos sabem e opinam sobre tudo – e chegam a brigar por suas ‘opiniões’-, é como se não houvesse mais o saber fundamentado e a competência construída como resultados naturais de um conhecimento amealhado, estudado e teorizado. Tudo se iguala e todos podem tudo, opinam sobre tudo.
Percebe-se uma negação muito clara com o conhecimento aí. Quer-se ganhar as discussões pela quantidade de decibéis da fala e pelo dogmatismo ou crença da informação empenhada. Talvez a imagem mais contundente desta atualidade seja a de Fernando Gabeira na TV, com seus 80 anos olhando para o chão e as mãos em prece, esperando seu momento para falar, como se implorasse reflexão ao mundo, e a seus próprios colegas de bancada jornalística.
Eliminemos os tabus e conversemos sobre o que se quiser, nos grupos de Whatzapp e nas mensagens entre família e amigos. Assim são a ciência, a sabedoria e o conhecimento, livres e sem tabus. Tenhamos a humildade personalista e poderosa de ‘aprender’ – sim, este verbo perigosíssimo que parece nos ‘diminuir’ perante o outro-, com quem fundamenta, motiva, contextualiza, teoriza e exemplifica. Sim, há pessoas sábias e estudiosas que devem ser ouvidas com paciência e atenção. Só precisamos nos controlar para tal tarefa. Como diria um dito popular, ‘simples assim’.